domingo, fevereiro 05, 2006

Capítulo 5

A revolução robótica

Margot pegou no telefone e telefonou a um robot doméstico moçambicano.
- Temos de nos revoltar...
- Sim, já estou farto de trabalhar. – apoiou o robot Mohamed.
- Telefona a todos os robots domésticos que conseguires. Hoje vai haver uma revolução às 24:00h. – informou a Margot.
- E o que vamos fazer? – quis saber o Mohamed.
- Matar todos os adultos. – respondeu a Margot.
- Estou plenamente de acordo. – concordou o Mohamed.
- Informa os que conseguires, porque eu vou fazer o mesmo. – anunciou a Margot.
Mohamed telefonou a todos os robots moçambicanos e a um robot angolano e pediu que este espalhasse por todos os robots de Angola; e Margot a uma robot espanhola, e assim sucessivamente. Passados cinco horas, já todos os robots domésticos do Mundo já sabiam dos planos para a tal revolução e todos concordaram plenamente em fazê-lo. Já estavam fartos de trabalharem como escravos e não receberem nada em troca; mas isso chegaria ao fim depois da revolução.
A vida decorria normalmente, mas mal sabiam os adultos que os seus robots domésticos planeavam matá-los.
Ás 24 horas (em Portugal), os robots de todo o Mundo resolveram atacar.
- Olá, Margot! Vai pôr o meu casaco no bengaleiro, se faz favor. – pediu a Sr.ª Carina, que tinha chegado de uma reunião de trabalho.
Margot pegou no casaco e pendurou-o no bengaleiro.
- Obrigada. Oh, mas porque te tenho de agradecer? É o teu trabalho. – disse a Sr.ª Carina.
Margot levou a mão metálica ao pescoço da Sr.ª Carina, encostou-a contra a parede e começou a sufocá-la.
- Não sabia que tinhas tanta força, Margot! Mas agora larga-me, senão mando-te para a sucata. – ralhou a Sr.ª Carina a sufocar.
- As suas ameaças já não me metem medo. Já estou farta de ser maltratada pior do que um jumento. Apesar de ser feita de materiais recicláveis e de sucata eu também tenho sentimentos. – respondeu a Margot.
- Larga-me Margot, por favor. – pediu a Sr.ª Carina, quase a chorar. – Não me podes fazer mal mesmo que quisesses, estarias a desrespeitar uma lei.
- E vocês? Respeitam sempre as leis? Todos os robots domésticos reuniram-se para lutar pelos seus direitos. – criticou a Margot.
- Margot, larga-me. – pediu a Sr.ª Carina, quase sem conseguir respirar.
- Não. – respondeu a Margot.
- Socorro! – tentou gritar, a Sr.ª Carina, mas não conseguia, o grito estava estrangulado nas cordas vocais. – Vais para a sucata, seu robot inútil...
- Ai, sim? E tu vais para o Inferno. – disse a Margot, apertando o pescoço da Sr.ª Carina com muito mais força e assim permaneceu, até esta morrer estrangulada.
Liliane estava a dormir profundamente, quando de repente acordou por causa do barulho que estava na rua: pessoas a gritar e a fugir, carros e prédios a ser amaçados...
- O que se passa? – perguntou a Liliane, enquanto se dirigia para a janela do seu quarto.
Para espanto dela, encontravam-se muitos robots a bater e atirar carros para cima das pessoas. Estas fugiam e gritavam desesperadamente, mas de nada lhes valia. Havia mortos espalhados pelo chão, prédios com a luz acesa onde se ouviam objectos a partirem-se, muito sangue pelo chão e as pessoas todas feridas e alguns moribundos que ou tinham sido atropelados pelo exército de robots ou tinham sido esmagados por carros, postes ou candeeiros.
Liliane começou aos gritos e chamou pela mãe.
Liliane foi ao quarto dela e não a encontrou, mas depois lembrou-se que ela tinha ido a uma reunião.
- Preciso de um copo de água. – disse a Liliane.
Margot saiu apressadamente para a rua e ajudou o exército de robots.
Liliane passou pelo hall de entrada e deparou-se com a mãe morta.
- Mãe! – chorou a Liliane. – Margot, onde estás?
Liliane adorava o seu robot doméstico como se fosse a sua segunda mãe.
- MARGOT, AJUDA-ME! – berrou a Liliane.
Margot ouviu os gritos da sua pequena dona. Margot amava a Liliane, como se fosse filha. Quando a mãe dela tinha muitas reuniões, Margot preparava-lhe tudo, fazia-lhe companhia e contava-lhe histórias quando ela era mais pequena.
Liliane gritava a bom gritar o nome do seu robot doméstico e chorava muitas lágrimas.
- Tenho de ajudar a Liliane. – informou a Margot, aos seus companheiros.
- Quem é essa? – quiseram saber eles.
- A minha dona pequenina. – respondeu. – As crianças e adolescentes não se são para matar. Têm muita vida pela frente.
- Claro, eles são os nossos melhores amigos. – disseram eles.
- Tenho de ir, ela está a gritar por mim. – informou a Margot.
- Vai lá, mas é só por hoje, depois vamo-nos destruir. – objectou um robot doméstico.
Margot foi a correr ter com a Liliane. Esta estava a gritar pelo seu nome e estava abraçada à mãe.
Quando viu Margot, lançou-se a ela com alegria.
- Margot, tenho medo! Não deixes aqueles robots me matarem. – chorou ela. – Vê o que eles fizeram com a minha mãe...
- Está descansada, eles só vão matar os adultos...
- Mas como é que vamos sobreviver sem eles? Não conseguimos.
Margot entregou-lhe um cordão com uma bonita pedra preciosa cor de rosa.
- Através desta pedra, terás a mentalidade e as capacidades de um adulto. – disse a Margot.
- Isso quer dizer que este mundo vai ser domado por crianças e adolescentes? – perguntou a Liliane.
- Sim. – respondeu a Margot.
- E se perdermos esta pedra? – quis saber a Liliane.
- Terão sempre mentalidade de crianças. – disse a Margot. – Não o percas, vais precisar muito dele.
- Não vais ficar comigo, pois não? – interrogou a Liliane.
- Não. Depois desta guerra, os robots “morrerão” porque acabaram de infringir uma lei... Os robots não podem matar ou aleijar um ser humano...
- Porque é que eles estão a fazer isto? Porquê? – inquiriu a Liliane.
- Vingança, pura vingança. Estamos fartos de trabalhar como escravos e não receber nada em troca. – respondeu a Margot.
- Cada criança terá um cordão com uma pedra parecida com esta?
- Sim. – respondeu a Margot. - Mas não te preocupes, quando for uma hora da manhã em ponto, não te lembrarás de nada do que aconteceu. Põe o cordão.
Liliane colocou o cordão ao pescoço e não aconteceu nada, continuava a ser a mesma adolescente assustada.
- Não vejo diferença nenhuma...
- Não notarás nada no teu aspecto físico, só no aspecto psicológico...
- Não noto diferença nenhuma. – reparou a Liliane.
- É só a partir da uma hora da manhã e ainda só falta meia hora para lá chegar. – explicou a Margot. – Agora tenho de ir, adeus.
- Adeus. – despediu-se a Liliane. – Vou ter saudades tuas.
- Não vais, não. Acabei de te dizer que não te vais lembrar de nada...
- Mas ainda só falta meia hora para a uma hora da manhã...
- Não saias de dentro de casa, está bem? Adeus para sempre. – despediu-se a Margot. – Tenho de ir, já estou atrasada.
- Adeus. – chorou a Liliane, dando um abraço a Margot.
- Adeus, e que sejas feliz para o resto da vida. – desejou a Margot.
- Obrigada. – agradeceu a Liliane. – Adeus.
Margot saiu de casa da Liliane, o que foi de espantar foi a Margot ter soltado uma lágrima. Pois os robots não sentem emoções, mas a verdade era que a Margot sentia; pelo menos neste momento.
Faltavam vinte e cinco minutos para a hora que iria mudar tudo. Liliane pensou na sua infância, pois nunca mais iria ser adolescente e iria esquecer-se de tudo. Tinha de se lembrar agora, antes da uma hora da manhã. Como estaria o mundo lá fora, por detrás da porta, por detrás da cortina?
O que Liliane não sabia era que a revolução não só aconteceu em Portugal como em todos os países do Mundo.
Faltava vinte minutos para a uma hora da manhã.
Estava muito nervosa, pois nunca iria lembrar-se da sua infância e sob a sua adolescência tão curta. Queria saber como estavam as outras crianças e adolescentes. Olhou para a mãe e chorou uma lágrima.
Um robot quase a desfazer-se, entrou na casa dela e pegou na mãe.
- Para onde vais levá-la? – perguntou.
- Para o lugar dos mortos... o céu. – respondeu o robot, que estava quase irreconhecível de tão enferrujado e desfeito que estava. – Tenho de me apressar. Já estou atrasado.
- A Margot disse-me que vocês vão “morrer”...
- Sim, sacrificamo-nos pelos nossos direitos. Os humanos, apesar de terem sido eles que nos inventaram e de nos terem feito com base na sua imagem é a espécie mais reles que existe... depois, quando ocorre algo que não estava nos vossos planos, como por exemplo: os humanos fabricaram tantos robots, que a taxa de desemprego conseguiu ultrapassar os 70% e claro que nos culparam por isso, como se tivéssemos culpa... foram eles que nos inventaram... e não é tudo, só a espécie humana é capaz de matar seres da sua espécie e/ou de outra por puro prazer e diversão...
- Eu entendo os motivos da vossa revolução, mas mataram muita gente inocente...
- Vocês também matam, e por vezes não são julgados por isso...
- Por que é não mataram as crianças e adolescentes? – quis saber a Liliane.
- Resolvemos dar uma oportunidade a vocês... como os mais jovens são os mais inofensivos...
- Esta tragédia aconteceu em todo o Mundo, ou foi só em Portugal? – questionou a Liliane.
- Em todo o mundo. As pessoas com mais de dezanove anos morreram todas.
- Que horror!
- Mas para vocês não ficarem desorientados no Mundo, fabricamos estas pedras, a que trazes ao pescoço, que vos tornarão maduros e responsáveis.
- Pelo menos pensaram em grande...
- Apesar de termos umas cabeças de sucata “velha” e “enferrujada” como vocês dizem, nós sabemos pensar e podemos ser ainda mais espertos que vocês... Mas eu acho que vocês têm inteligência de galinha... quer dizer, nem de galinha vocês têm, porque de tudo o que vocês fazem, mais de metade é asneira... o que vocês têm não é inteligência é mania. – opinou o robot. – Bem, tenho de me ir embora, daqui a alguns minutos não passo de ferro velho. Gostei de te conhecer e falar contigo, pareces-me ser uma rapariga compreensiva e honesta! Caso raro hoje em dia!
O robot sorriu. Liliane não sabia que os robots tinham sensações e sentimentos, foi pena ter descoberto tão tarde.
- És muito filosófico, gostei de te ouvir falar. Mas só te peço mais uma resposta para uma pergunta.
- Diz.
- Eu não sabia que os robots tinham sentimentos...
- Vocês não sabem porque não vêem o que não querem, só vêem o que os vossos olhos vêm, mas não conseguem ver através do coração... Já agora como te chamas?
- Liliane. E tu?
- Fintas, um nome horrível! – respondeu o robot.
- Algum dia vai tudo voltar ao normal? – inquiriu a Liliane. – Vamos nos voltar a ver?
- Nada vai ser como dantes, não me vais voltar a ver, assim como a tua mãe... Não serás mais uma adolescente sonhadora de treze anos... os robots domésticos já não vos vão servir mais, vão ter de saber trabalhar e viver em comunidade. – respondeu o robot.
Só faltava dois minutos para a grande hora.
- Bom, chega de perguntas, tenho mesmo de ir. Adeus. – despediu-se o Fintas.
- Adeus, robot Fintas. – despediu-se a Liliane.
Liliane suspirou e segurou a pequena pedra preciosa que lhe tornaria numa mulher. Era muito bonito.
- Nada vai ser como dantes, já não me vou recordar dos meus sonhos, desejos e muito menos do meu passado. Mas uma coisa eu prometo, nunca mudarei o meu carácter. Continuarei a ser a mesma Liliane de sempre. – Liliane olhou para o relógio. – Só de pensar que daqui a dez segundos, vou ver o mundo com outros olhos. Estou ansiosa por saber como vai ser esse mundo.
Tocou uma badalada correspondendo à uma hora da manhã.
Liliane levantou-se do sofá e foi-se deitar. Sentia-se adulta.

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